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Depressão e Identidade

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 29 de dezembro de 2016 · 3 mins read
Depressão e Identidade
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Gostava de pensar que a minha identidade se poderia expressar livremente ao longo do tempo. Gostava de pensar que isso seria uma realidade, mas infelizmente não o é. A minha expressão é limitada pela minha saúde, é limitada pela minha capacidade de viver em união comigo própria.

Depressão e Identidade

Estar deprimida traz-me várias fragilidades à superfície, traz-me incapacidade e traz-me ansiedade. Traz consigo um mal estar permanente que me esfaqueia aos poucos, devagar, muito devagar. Fico limitada, muito limitada. Por outro lado, sinto a necessidade de me proteger, proteger dos olhares, dos comentários, dos ataques, das inseguranças. Deixo de conseguir ser eu pleno, esta necessidade afoga a minha existência, coloca-me num compasso de espera, num compasso de dificuldade.

Estar permanentemente em estados ansiosos com alternância em estados de tristeza extrema faz-me refém. Fico refém de mim mesma. Fico refém das minhas dificuldades. Segue uma solução que me ajuda - passar despercebida, passar sem questionamento. É fazer aquilo que odeio, limitar a minha expressão livre. A doença deixa-me frágil e com isso a incapacidade de poder reagir assertivamente ao que acontece fora da esfera privada. Essa fragilidade apaga a minha voz. Deixo de conseguir reclamar o meu espaço no espaço público, não é meu de direito, não é meu. Não o mereço, é isso que sinto ou penso.

A limitação do espaço público priva-me. Os estados depressivos controlam a minha capacidade de gerir a ansiedade e os problemas que me circundam, fecham em si mesmos o pessimismo de existir. O não valer a pena. E com esse momento vêm as dúvidas, as incertezas, a incapacidade. E com esse momento vêm as culpas, os retrocessos, as paragens. Quando não vale a pena, não vale. Não há existência, logo não há expressão. Há vazio. Sem querer, reduzo-me a um mundo normativo do qual eu não concordo, reduzo-me aos tradicionais papeis… não porque eu quero, mas porque preciso de me salvaguardar, proteger e ganhar coragem para um novo ciclo de luta permanente.

Estar deprimida não é apenas a tristeza, é a falta de vitalidade que me possui. A energia que falta e o cansaço que predomina. A vitalidade conduz a minha própria vontade de viver e de estar e, com ela, a minha própria identidade, a minha própria expressão social e o meu papel na sociedade. Por vezes falta, deixo de a encontrar e fica perdida por entre a minha existência.

Hoje sinto-me melhor que ontem, e ontem melhor que anteontem. Acordo com mais um sorriso, acordo com mais uma vontade. Acordo capaz. Acordo com mais um pouco de vitalidade. Energia. Aos poucos vai voltando e a minha expressão vai sendo cada vez mais próxima da minha própria identidade. Uma expressão definida pela sua própria indefinição, mas própria, sincera e real. Uma expressão que me suporta na minha convivência com a sociedade e o mundo. São ciclos que chegam, mas que também vão. Ciclos apenas. Vivências no cinzento antes de me poder voltar para a cor. Com o sentir melhor vem a coragem de enfrentar a rua, de não sentir que me deva esconder ou que me deva encolher num meu espaço privado. Com o sentir melhor o espaço público passa a ser um espaço que também é meu, que também me pertence, que também é de meu direito.

A cada dia, um passo, a cada mais eu e mais verdadeiramente eu. A cada dia mais um passo na conquista da minha própria capacidade de agir perante a minha saúde e os meus ciclos.

Dani

Imagem: http://www.apa.org/topics/depression/

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma