geral,

Para não esquecer...

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 10 de novembro de 2014 · 2 mins read
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As gotas da chuva batiam precipitadamente pelo chão, a água escorria pelas bermas… As pessoas corriam de um lado para o outro, chapéus, alguns gritos, alguns esconderijos nos sítios mais estranhos. Era apenas mais um dia de chuva como qualquer outro. Eu sempre amei o tempo chuvoso, uma das coisas de que lembro bem em criança era do prazer que tinha em ir para a rua sentir a água escorrer pelo cabelo, pela pele da cara. Era um momento muito meu. Num dia importante para mim tinha de haver chuva, chuva que baste para ficar a pingar, para reflectir a pureza da água.

Hoje, é importante não esquecer. É importante ficar, é importante reter, é importante memorizar. Talvez um dia quando olhar para trás e necessitar de acreditar é para aqui que devo olhar, para este dia de chuva, temperamental, digno de dizer “eu amo o Tempo”, como quem diz “eu amo a vida, a continuidade dos dias”. Num futuro, posso até querer recordar com orgulho este dia, posso querer sorrir olhando para trás, posso querer abraçar os meus dias, cada um e o próximo e, também o anterior.

Na aceleração que tem sido os últimos dias, as emoções fortes, os pensamentos alinhados com a pura alegria, hoje foi como dar-me ao mundo, na mesma medida em que me deveria dar a mim mesma. Sim, mesma. Ela. Neste momento ela. É com um abraço do tamanho do mundo que recolho esta pessoa que eu sou, com um profundo sentimento de amor, eu. Era uma palavra que não reconhecia como minha para mim. Não sei o futuro. Sei o passado, sei na medida em que sinto, sei na medida em que vivo, porém, o futuro incerto. Neste momento ela. Neste momento a minha alma começa a sentir o espírito.

Não deixa de ser curioso como pouco pode fazer tanto, imagino muito. Neste momento o pouco, o pouco é o que na generalidade é automático, o que é conseguido sem pensar, sem acesso a uma consciência, um puro instinto. Neste momento, para mim o pouco é permitir-me ser sem pensar. Permitir-me viver sem desmistificar cada gesto, cada movimento, cada palavra, cada pensamento, cada olhar,… Neste momento, para mim o pouco é o fazer a diferença entre estar livre ou apenas vivo. Neste momento, para mim o pouco é o fazer a diferença entre mim e eu próprio.

Agora, feliz, pelo menos estou. Para não esquecer.

Dani Bento

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma