geral,

Apenas um desabafo

Daniela Filipe Bento Daniela Filipe Bento Seguir 23 de janeiro de 2015 · 2 mins read
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Nos últimos dias falou-se e discutiu-se o combate ao terrorismo, as medidas antiterrorismo e a limitação da liberdade. Discutiu-se todas as medidas possíveis e imaginárias que, em anos e anos, nunca se falaram (inclusive, a pena de morte?!). Tornou-se necessário. Tornou-se urgente. Tornou-se fogo de primeira linha. Foi só e, apenas, agora que o terrorismo passou a existir. Foi só e, apenas, agora que os mal feitores jihadistas vieram atrás das suas vítimas. Foi agora que o mundo acordou para o terrorismo, #jesuischarlie acordou o mundo.

Porém, há uma espécie de terrorismo que ninguém retrata. O terrorismo legalmente aceite. O terrorismo que não mata, mas mói, sacrifica. O terrorismo sofrido. O alvo: todos, sem excepção. Este terrorismo é praticado no dia a dia, nas nossas casas, no nosso local de trabalho, no nosso local de laser. Todos, sem dúvida, todos, somos terroristas legalmente aceites. Somos. Somos parte e fazemos parte de um sistema cruel. Somos parte e fazemos parte de um conjunto de leis. Leis essas, impostas por nós todos. Leis essas, ricas na linguagem, fracas no empenho.

Reduzimo-nos à insignificância, reduzimos o problema à não existência. Praticamos o acto.

A este terrorismo eu chamo descriminação. Todos os dias, os males da sociedade, os limites, as imposições, os actos falhados, a não critícia. A insignificância do outro, a insignificância de ser. Todos os dias acordamos e discriminamos, todos os dias falamos e discriminamos, todos os dias deitamos e discriminamos. Porquê? A indiferença do outro, a indiferença de ser.

Este terrorismo recruta, convida, incentiva, mas não se mexe. É um terrorismo que nada faz… mas se propaga, como um virús, como uma doença malígna, maior do que aquela considerada por muitos. Este terrorismo não precisa de interacção, nem de armas, nem de contacto. Existe, pela pura ideia de existir. Um terrorismo que se entranha, que consome, que penetra em cada célula do corpo desde o primeiro momento de vida. Porém, talvez ainda na geração da vida.

Este terrorismo ontem aplicado, na sua maior força… legislar… Um terrorismo legal. Um terrorismo escrito no papel. Vocês não são como nós, não porque eu não gosto de vós, mas porque está no papel. Vocês são diferentes, desapareçam, saiam. Vocês não podem, desapareçam. O vosso amor não serve, o vosso amor é para outros, para os da vossa raia, saiam daqui! A vossa ideia, essa ideia porca que têm, um mal… um mal que caiu ao mundo, essa deficiência, vão embora, desapareçam.

A todos os terroristas de hoje, um cumprimento. A todos os terroristas sociais de hoje, um obrigado.

Dani Bento

Daniela Filipe Bento

Escrito por Daniela Filipe Bento Seguir

escreve sobre género, sexualidade, saúde mental e justiça social, activista anarco/transfeminista radical, engenheira de software e astrofísica e astronoma